Arte abstrata; comunicação; cognição; sentimento; audiovisual.
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Mista com texturas de minerais, resina, pigmentos secos, Expressionismo abstrato - arte instintiva - livre - 04/08/2020 |
Se a arte, nela mesma, é uma interface da comunicação, a arte abstrata é uma interface
especial da comunicação, porque obriga criadores e fruidores a realfabetizarem-se
visualmente e a familiarizarem-se com uma inusitada articulação ótica.
Educa, também peculiarmente, para o aguçamento dos sentidos, para um mental mais
elaborado, para uma maneira de ver a própria arte, para uma forma de, mais
amplamente, visualizar e pensar o mundo, de uma vez que na arte abstrata os
reconhecimentos da realidade são inexistentes e inessenciais. É um meio de expressão e
comunicação que se pode considerar exótico, sobretudo quando de seu surgimento em
1910 por Wassily Kandinsky.
Ela é geradora de uma emissão plural de signos. Os recursos icônicos da arte abstrata
tendem a ser “subversivos” por conta da extinção da realidade fenomênica e
reconhecível. O cerne de sua natureza é procurar caminhos de inconformidade e
ruptura.
O que comunica, exata e corretamente, na arte abstrata, é a ordem matemática, a qual
Kandinsky se refere. O receptor necessita, portanto, desenvolver repertório específico
para entender e interpretar esta ordem lógica. Assim, a comunicação acontecerá dentro
de cunho científico e não somente emocional como sempre se estabelece com a arte e,
principalmente, com a arte abstrata. Não sabendo codificá- la corretamente, não sabendo
comunicar-se adequadamente com ela, o fruidor vocifera banalidades sentimentais,
relações emocionais e invencionalidades empíricas sem conta.
Nada é fortuito. Nada é aleatório. Nada é arbitrário no abstracionismo, embora pareça.
As cores, com sua musicalidade própria, tem um lugar certo para serem colocadas no
suporte, de acordo com as intenções do artista. Alteração de lugar, representa alteração
de força; alteração de força, representa alteração de energia; alteração de energia,
representa alteração de tensão; e assim sucessivamente, para com o volume, a atração, o
equilíbrio. É aí que se situam as diferenciações de valor, de beleza e de fealdade da
pintura abstrata (neste caso: a expressão pictural no suporte bidimensional), ou seja, não
estamos tratando da escultura abstrata, apesar de, as relações serem as idênticas para ela.
Portanto, dizer que os valores são sempre iguais em toda e qualquer abstração, não é
verdade e não faz nenhum sentido. Um vermelho entrecortado de amarelo, por exemplo,
situado à direita baixa do quadro, não gera as mesmas sensações visuais, sentimentais, emocionais, tão pouco estão sujeitos aos mesmos princípios de raciocínio, quando em
seu lugar, estiver um azul com sobreposições de marrom, por exemplo: são outras as
forças, são outras as energias, são outras as tensões, são outros os equilíbrios e,
consequentemente, é outra a empatia, o maior ou o menor encantamento aos olhos do
observador.
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Texturas de minerais, resina, tinta acrílica, pigmentos líquidos, criação, Expressionismo abstrato - 13/08/2020 |
Kandinsky aduz:
«... século XX – aparecimento de uma nova síntese [...], início do emprego dos elementos. Avaliação cada vez mais consciente das forças intrínsecas da imagem, tensões. A materialização da imagem é considerada portadora de uma força interior e digna de um novo raciocínio. A força só é importante e significativa vista deste ângulo” (KANDINSKY: 1987, 37)»
Muitas vezes, a comunicação no abstracionismo degenera-se ou nem chega a acontecer,
por incompetência do próprio receptor que emite manifestações assim levianas sobre
ela: “não entendo nada desta coisa”, “a arte morreu”, “como chamar este monte de cores
e matérias juntas de arte?”, “até meu filho de um ano faz”, “é um borrão só”, e outras
tantas verborragias tolas. Isto prova uma carência de instrumentais intelectivos de
análise, para a correta leitura da abstração.
Ora, a falta de repertório conduz a uma comunicação truncada, incompetente, apenas
empírica, e consequentemente a uma educação para o olhar, para a cognição e para o
pensar a arte, desconectados de sentido e significado. Nestes casos, ao invés da arte
abstrata comunicar propondo novos padrões estéticos, deseduca, e o sujeito fica
“cobrando” da obra, elementos reconhecíveis: pessoas, paisagens, céus estrelados,
mares, montanhas, florestas, terras, ambientes internos, naturezas mortas, etc... Ele quer
tudo identificável, exigido por seu imaginário comum, sente-se mais seguro diante do
que reconhece, porque pode, inclusive, dominar. Teme o que não está ao alcance de sua
consciência. Ele quer “ter certezas”, como as imagens eternizadas através da fotografia:
quanta perfeição! Quanta clareza! Que imitação absolutamente exata da realidade! Daí a tranqüilidade...
Mas a arte que destitui o real conhecido substituindo-o pelo virtual desconhecido, perde
em valor? Jamais! São outros valores a se impor, outras interpretações, outros
julgamentos, outras circunstâncias de criação, outras poéticas plásticas, outras diretrizes
estéticas.
Vai Continuar ⇢ ⇢ ⇢
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
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